segunda-feira, 28 de maio de 2007

Crime ecológico no bolso dos bobos que compraram

Por Xico Vargas, 27/5, No Mínimo

O Pan afunda na turfa

Falta uma palavrinha no fenômeno que traga chão adentro as ruas internas e as tubulações das redes de água, esgoto, luz e telefone na Vila Pan-Americana que hospedará os mais de sete mil atletas do Pan: turfa, uma espécie de argila formada quase totalmente por matéria orgânica. Tem consistência macia. Disso se constitui o solo sobre o qual se assenta esse sucesso imobiliário que vendeu quase 1.500 apartamentos em uma semana.

Desastre idêntico se abateu sobre o conjunto de prédios erguidos nas margens da lagoa da Tijuca por Ronald Levinhson, dono da há muito extinta caderneta de poupança Delfim. Amparados por estacas de altura equivalente a 17 andares, os prédios de Ronald mantiveram-se à superfície, mas tudo em volta afundou quase dois metros no início dos anos 1980.

No terreno ao lado, de quase um quilômetro de extensão, os barracos espetados no solo depois de uma invasão avalizada pelo governador Leonel Brizola e seu então secretário de Habitação, Carlos Alberto Oliveira, atravessaram a década sumindo no chão. Era estranhíssimo. Quando o solo chegava à altura da janela, o dono construía sobre a laje do teto e passava a usar uma escada para entrar em casa até que a porta atingisse o nível da rua. A secretaria de Oliveira quase perdeu um trator que abria uma rua e havia sido deixado imóvel durante um fim de semana prolongado.

O resultado – o lugar agora se chama favela do Areal – é que hoje existem ali barracos com quatro, cinco andares encravados no subsolo. Foi o que inviabilizou na administração Luiz Paulo Conde as desapropriações exigidas por um projeto de reforma do lugar. As pessoas queriam ser indenizadas não pelo que aparecia na superfície, mas pela verdadeira torre que já estava enterrada na turfa – faltou dinheiro.

Quem entende do assunto – e a Coppe entende – não esconde que essa é a composição do solo que margeia o conjunto de lagoas da baixada de Jacarepaguá. O mesmo atestam profissionais de engenharia, arquitetura ou geologia que moram na região. Nada disso, porém, impede que se construa na área. O truque está no projeto.

Não apenas os prédios, mas tudo que represente algum peso sobre a turfa deve estar muito bem apoiado por estacas cravadas em solo consistente, rochoso. Daí o alerta para falhas no projeto emitido pelo professor de geotecnia Márcio Almeida, da Coppe. De qualquer maneira, conserto tem. O que não tem é prazo para resolver essa lambança antes de começarem os jogos. Certamente vai ser feita uma meia-sola e quem comprou apartamento ali para ocupar depois do Pan que trate de ficar esperto.

O que não se está dizendo é que, mais uma vez, com solução inteira ou pela metade, vamos passar batido por um crime ecológico. O comportamento do solo de turfa, como o das massas de bolo ao serem batidas ou das gelatinas, é o mesmo. Quando se exerce pressão num ponto, o volume deslocado corresponde em igual medida à quantidade de massa que cresce em algum ponto ou na superfície inteira que estiver livre da pressão.

Foi assim na lagoa da Tijuca, às margens da qual cresceram os prédios de Ronald Levinhson e, principalmente, as favelas Areal (1 e 2) e Areinha. O solo, pressionado pelas construções que afundavam, subiu no fundo da lagoa. A profundidade média (então entre 1,5 metro e 2 metros) hoje varia de 20 a 40 centímetros.

Seja qual for a profundidade atual no canal do Anil, que passa ao lado da Vila Pan-Americana, já não será a mesma daqui a um par de meses. Com as correntes, parte dessa lama será despejada nas lagoas adiante e isso não tem conserto. Se alguém disser que o lodo pode ser dragado estará mentindo. O fundo do canal subirá até que o próprio peso se iguale à pressão que o faz subir. Se for dragado o canal, o terreno da Vila voltará a afundar. Os secretários de Meio Ambiente do estado e do município talvez achem que esse assunto não é com eles.

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