sábado, 14 de julho de 2007

A falência do ensino público

Josué Maranhão

BOSTON
– É muito provável que a geração dos brasileiros que ainda não ultrapassaram os quarenta anos de idade não imagine que um dia já existiu no Brasil um sistema público de ensino de primeira qualidade.

É inimaginável para os mais novos que um dia tenha existido escolas de ensino público gratuito, com o antigos curso Ginasial e curso Colegial melhores ou, no mínimo, equivalentes às mais prestigiadas, famosas e caríssimas escolas ou colégios particulares. Aliás, geralmente as escolas particulares eram vistas com reservas. A maioria era apelidada de “PP”, ou seja: pagou, passou! Era aluno da escola particular o filhinho do papai que já nascia rico e não precisava estudar para vencer na vida.

Não é de admirar que as gerações mais novas não acreditem que antigamente era possível concluir o chamado curso Colegial em uma escola pública e, sem qualquer problema, submeter-se ao exame vestibular. Não era necessário fazer “cursinho” pré-vestibular, gastar fortunas, para conseguir ingressar em uma universidade, fosse qual fosse, nos centros mais adiantados como Rio de Janeiro e São Paulo, ou nos locais mais distantes, como no Nordeste ou no extremo Norte. Aliás, ninguém estudava em “cursinho pré-vestibular” por uma razão muito simples: não existia “cursinho pré-vestibular”.

Felizmente sou de uma geração antiga, da época em que o bom ensino público era uma realidade e não uma utopia como devem imaginar aqueles que têm menos de quarenta anos. Estudei, no curso primário, em Grupo Escolar do Estado e, durante a década de cinqüenta, fui aluno do antigo Atheneu Norte-riograndense, colégio estadual, em Natal, onde fiz os cursos ginasial e colegial. Fiz vestibular, sem maior esforço e sem precisar virar noites estudando. Aliás, nem poderia fazer isso, uma vez que desde os 14 anos, quando ainda fazia o curso ginasial, já trabalhava à noite em jornal e tinha aulas durante o dia.

Estudei e me formei na antiga Faculdade de Direito de Natal, inicialmente do Estado e depois integrada à Universidade Federal, ou seja, escola pública. Depois disso, ainda iniciei o mestrado na Universidade de Recife, também escola pública. Fiz outros cursos de pós-graduação, inclusive na USP.

Resumindo: nunca, jamais, em tempo algum, meus pais ou eu gastamos um centavo sequer pagando escola para mim. Isto não me impediu de conseguir o título de bacharel em direito, ter sido procurador, juiz e advogado, além de ter dado aulas em escolas de jornalismo e direito, plenamente vitorioso profissionalmente, quer na área jurídica, quer no jornalismo.

Situação idêntica ocorreu com minha mulher, que trilhou o mesmo caminho, desde o Grupo Escolar, até a Universidade de São Paulo. Com os conhecimentos amealhados no ensino público, alcançou posições invejáveis, profissionalmente, quer no Brasil, quer no exterior.

Mas, o que tem a nossa história com a realidade atual? Muito. Senão, vejamos:

1.“Faltam 246 mil docentes no nível médio” (“Jornal da Tarde”, de S.Paulo);
2.””Jovens brasileiros não lêem” (jornal “O Globo”, do Rio de Janeiro).


As duas manchetes são apenas uma amostra da falência total e absoluta a que submeteram o ensino público no Brasil. Há mais de trinta anos que o ensino público foi abandonado pelos governos em todos os níveis, relegado a segundo plano, como se fosse algo absolutamente desnecessário.

Faltam recursos, faltam professores, faltam instalações. Enfim, falta tudo!

O que mais falta, no entanto, é uma conscientização política dos governantes, no sentido de que uma nação de analfabetos, ou semi-alfabetizados jamais poderá se transformar em um país desenvolvido.

Se a estabilidade econômica, o progresso industrial, o fortalecimento comercial interno e externo e outros fatores são importantes, nenhum deles é tão essencial quanto o aprimoramento do sistema de ensino público.

A realidade é que o descaso com o sistema de ensino é criminoso. Os governos, a partir, ainda, da época da ditadura, até atualmente, falam em desenvolvimento, em crescimento, na transformação do Brasil de país subdesenvolvido em país emergente, até chegar ao estágio de primeiro mundo, mas abandonam o requisito essencial e indispensável: o sistema de ensino.

Desde o regime militar até a atualidade, o ensino foi relegado a segundo plano, certamente por conta da estratégia suicida, criminosa e oportunista de imaginar que a permanência das camadas mais pobres no analfabetismo as tornará sempre mais maleáveis, mais fáceis de controlar, reduto eleitoral certo para as campanhas populistas.

A reportagem de Maria Rehder, do “Jornal da Tarde”, com o título 1 ,acima transcrito, tem trechos alarmantes quanto ao sistema de ensino. Vejamos, por exemplo:

“As escolas públicas brasileiras sofrem um déficit de 246 mil professores, levadas em conta as necessidades do segundo ciclo do ensino fundamental (5ª a 8ª séries) e do ensino médio. ...Seria preciso contratar em caráter emergencial quase 250 mil professores, mas falta mão-de-obra qualificada.
Para atender à demanda, o Ministério da Educação (MEC) deveria ter garantido a formação de 55.231 professores...na década de 1990. Mas só foram licenciados 7.216. Esses são dados do relatório “Escassez de Professores no Ensino Médio: Soluções Estruturais e Emergenciais”...Podemos dizer que já existe um apagão de professores no ensino médio, pois o número de licenciados por disciplinas não cobre a demanda das escolas públicas”, disse o prof. Mozart Neves Ramos, um dos autores do relatório”


O reflexo alarmante do abandono em que vive o ensino público é a absoluta falta de hábito dos jovens quanto à leitura. É o tema da reportagem aludida no título 2, acima.

Foram ouvidos em uma pesquisa dois mil estudantes universitários, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Entre os paulistas, 34% não lêem com freqüência, 18% não gostam de ler e 16% lêem raramente. Não Rio de Janeiro, 15% nunca leram um livro não didático, 12% leram apenas 1 e 36% leram entre 1 e 3 livros não didáticos.

Os números são alarmantes. A falta do hábito de leitura é uma conseqüência da deficiência do ensino e o resultado aparece na qualidade dos textos escritos pelos universitários: é péssima. É uma conseqüência lógica: quem não lê, jamais vai aprender a escrever bem.

Não adianta adotar paliativos oportunistas, demagógicos e, principalmente eleitoreiros, com o objetivo de esconder a realidade, quando são estabelecidas quotas em universidades para estudantes oriundos de escolas públicas ou para os negros.

Não seria preciso ir muito longe: bastaria recuperar o ensino público, pelo menos aos níveis em que se mantinha até à década de sessenta. Gratuito e acessível a todos, o ensino público formaria estudantes aptos a ingressar na vida profissional, ou encaminhar-se às universidades públicas, independentemente da situação econômica, ou da cor da pele.

No meu tempo, pobre ou rico, branco ou preto, não importava. Era bastante estudar no ensino público e ter vontade de ser gente, para ser vitorioso

Nenhum comentário: